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Poderia Hollywood decidir o que aterrorizará as pessoas? Ou o cinema apenas mostra em imagens as tendências atuais da sociedade? A verdade é que, quando sabe que é ficção, o ser humano aprecia muito o sentimento do medo. Aprecia tanto que escolhe uma data especial apenas para celebrar isso: Halloween.

Mas o que vem assustando as pessoas ao longo de mais de um século de cinema?

Quem tem medo de monstros?

 Em seus primórdios, os filmes de terror eram vislumbrados como filmes tipo B comparado aos clássicos Hollywoodianos, aos musicais ou aos filmes gângster. Os monstros invadiam salas de cinemas e os pesadelos das pessoas. Bebendo até o fim da fonte da literatura gótica, as décadas de 30 e 40 são marcadas por inúmeras adaptações protagonizadas por um quinteto impregnado na cultura popular até hoje: “Drácula”, “Frankenstein”, “A Múmia”, “O Homem Invisível” e “Lobisomem”. O declínio das populares criaturas a partir dos anos 50 reflete a indiferença de uma sociedade que, em um período pós-guerra, encontrou na realidade expoentes mais terríveis do que no cinema. Não que os monstros tenham perdido o valor. Regularmente eles aparecem com releituras e transitam entre gêneros. “Dracula” (“Drácula de Bram Stoker”) foi celebrado em 1992 pelo conceituado diretor Francis Ford Coppola.  “Frankenstein de Mary Shelley” teve uma versão cultuada em 1994. “An American Werewolf in London” (“Lobisomem Americano em Londres”) de 1981 é um dos melhores do gênero.  “The Mummy” (“A Múmia”) passou do terror para a aventura em 1999 e The Invisible Man” (“O Homem Invisível”) ganhou uma releitura em 2020 levando um subtexto envolvendo machismo estrutural.

Por que os monstros sempre rodeiam os cinemas e atingem a curiosidade do público? Acho que é o fato de fornecer a maior liberdade criativa dentro do gênero terror. Em mãos competentes, qualquer coisa pode causar arrepio. Que seja um brinquedo –“Child´s Play” (“Brinquedo Assassino”, 1988), um palhaço que muda de forma “It” (“It – A coisa”, 2017), a imaginação de uma criança “The Babadook” (“O Babadook”, 2014), um carro assassino “Christine” (“Christine – O carro assassino”, 1983”) ou alienígenas sanguinários sanguinários “Alien” e “The Thing” (“Alien – O oitavo passageiro”, 1979; “O Enigma de Outro Mundo”, 1983). Todos cumprem função de personificar o irreal, o fantástico e o imaginário, no único objetivo de aterrorizar sua plateia. Mas… e se o medo vier de algo que de fato sabemos que existe em meio da sociedade?

Quem tem medo de serial killers?

E se for de pessoas que conhecemos pelos caminhos da vida? Que imaginamos ser inofensivos até nos depararmos com a inevitável cena de nossa própria morte? Pois em 1960 Michael Powell e Alfred Hitchcock, respectivamente em “Peeping Tom” (“A Tortura do Medo”) e “Psycho” (“Psicose”), mergulharam fundo na psicologia de seus serial killers, trazendo um viés até então inédito para psicopatas que antes eram vistos apenas sob o charme dos filmes noir e dos giallos. No entanto, foi apenas no apagar das luzes dos anos 70, que o mestre John Carpenter gerou pânico nos jovens criando um subgênero utilizado a exaustão: slasher. Inspirado em “The Texas Chainsaw Massacre” (“O Massacre da Serra Elétrica”), 1974 e “Suspiria”, 1977, em 1979 nasce o pai de todos os slasher, e meu favorito pessoal, “Halloween”. Estão lá todas as convenções do gênero: (a) a ausência de explicação para o comportamento sádico e psicopata de Michael Myers (b) a história de terror em uma cidade pequena onde um grupo de jovens enfrenta um assassino mascarado (c) o conceito de “final girl”, filme onde os personagens são eliminados um a um até sobrar a mocinha que tem embate final contra o assassino e (d) uma trilha sonora marcante.

A realidade é que a franquia “Halloween” e seus dois filhos mais notórios “Friday The 13th” (“Sexta-Feira 13”, 1980), e “A Nightmare on Elm Street” (“A Hora do Pesadelo”, 1984) custavam pouco, arrecadavam muito e causavam pesadelos em um público cada vez mais sedento por sangue nos anos 80. Algo que curiosamente foi perdendo o impacto nos primórdios dos anos 90, ganhando um fôlego apenas quando o terror slasher desistiu de focar apenas no banho de sangue e assumiu a metalinguagem, a autoparódia e foi rir de si mesmo. Fato construindo elegantemente por  “Scream” (“Pânico”, 1996) e de forma menos expressiva por “Urban Legend” (“Lenda Urbana”, 1998), “I know what you did last summer” (“Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”, 1997) e “The Cabin in the Woods” (“O Segredo da Cabana”, 2011).

Se na década de 2000 o termo serial killer virou tema para filmes de outros gêneros, com menor temática de terror, os expoentes do gênero ainda tentavam sobreviver a uma última cartada resgatando o gore como em “Saw” (“Jogos Mortais”, 2004) e  “Hostel” (“O Albergue”, 2005) ou remakes pouco inventivos de filmes da década de 80. Mas a época de ouro dos slasher já havia passado, e o que começava a aparecer era de deixar arrepiado.

Quem tem medo do sobrenatural?

Não que falar de fantasmas, bruxas e demônios seja uma novidade dos anos 2000 dentro dos filmes de terror. O medo de fantasma já havia sido abordado de forma excelente em “Polteirgest” (“Polteirgest – o fenômero”, 1982). Bruxas ganharam títulos notórios em “Rosemary´s Baby” (“O Bebê de Rosemary”, 1967) e “Suspiria”, 1977. Já os demônios foram abordados em conceitos mais elegantes como em “The Exorcist” (“O Exorcista”, 1973) ou mais escrachados como em “Evil Dead”, (“Uma Noite Alucinante – A Morte do Demônio”, 1981). O flerte com o sobrenatural sempre esteve presente em expoentes clássicos do gênero, no entanto, no momento em que os slashers perdiam a força, foi possível entender que o que mais causava pavor no público não era a surpresa do assassinato em si, mas sim a tensão que viria antes dele. Então, por que não fazer um filme inteiro abordando a tensão em vez da carnificina? Dois projetos muito bem sucedidos de 1999 experimentaram isso: “The Sixth Sense” (“O Sexto Sentido”) e “The Blair Witch Project” (“A Bruxa de Blair”).

Foi um ponto de partida para inundar salas de cinema com a promessa de aterrorizar utilizando o sobrenatural. Os fantasmas que voltam à vida para um acerto de contas em “The Ring” (“O Chamado”, 2002) e “The Grudge” (“O Grito”, 2004). Se um fantasma assusta muita gente, qual a razão para não assombrar um cômodo da casa? “Paranormal Activity” (“Atividade Paranormal”, 2007), ou uma casa inteira? Amityville (“Terror em Amityville”, 2005), ou quem sabe uma cidade? “Silent Hill” (“Terror em Silent Hill”, 2006). Se apenas fantasmas ou espectros não davam conta do recado, era possível que a própria morte viesse buscar seus protagonistas como em “Final Destination” (“Premonição”, 2000). Perdendo pouco a pouco a sutileza que os pioneiros de 1999 usavam para causar o verdadeiro pavor, os filmes com investidas no sobrenatural começaram a pecar por apresentar características típicas do slasher, mas sem um serial killer definido. Apesar de expoentes pouco interessantes do subgênero ainda continuarem existindo, esse temor foi pouco a pouco se desfazendo à medida que os cineastas começaram a, literalmente, desenterrar os próximos expoentes do terror. 

Quem tem medo de mortos?

Desenterrar no sentido literal pois é de pessoas que passavam pelo processo da morte, para em seguida terem seus corpos de volta com uma sede incrível de sangue, os famosos mortos-vivos, que estamos falando. E desenterrar no sentido figurado, pois essas terríveis criaturas tiveram seus filmes mais interessantes nos clássicos de George Romero nas décadas de 60 e 70. O pavor daqueles que voltavam à vida para matar seus entes queridos nunca foi tão assustador quanto em “Night of the Living Dead” (“Noite dos Mortos-Vivos”, 1968), “Dawn of the Dead” (“Despertar dos Mortos”, 1978) ou “Day of the Dead” (“Dia dos Mortos”, 1985). Fora da alçada de Romero, é interessante também ver a forma diferenciada com que o tema foi tratado em “Pet Sematary” (“Cemitério Maldito”, 1989).

Sabendo do desgaste natural do gênero, e que, talvez, mortos-vivos por si só não fossem o suficiente para assustar um público que já passara por tanto, a ideia mais óbvia foi fazer uma fusão de gêneros, desistindo completamente da sutileza, e colocando o sobrenatural de forma mais explícita. Contando com representantes interessantes que misturam mortos-vivos com confinamento social “Dawn of the Dead” (“Madrugada dos Mortos”, 2004”), com comédia “Zombieland”, 2009 e com ação “The Walking Dead”, “28 days later” (Extermínio,2002); “World War Z” (“Guerra Mundial Z”, 2013), “I Am Legend” (“Eu sou a Lenda”, 2007). Os filmes não tinham mais a intenção de causar medo, mas oferecer toda adrenalina e explosão de violência que um público mais imediatista e menos paciente exigia na época. O apocalipse com mortos-vivos teve seu auge, mas nos últimos 3 anos, assim como seus antecessores, provou de um desgaste natural, e foi quando o terror ganhou nuance que oferecia a seu público algo de perder a cabeça.

Quem tem medo de enlouquecer?

O que mais causa medo às pessoas que consomem filmes de terror é a morte. Fugir de mortos-vivos, fantasmas, serial killers e monstros tinha sempre como objetivo principal a sobrevivência. Pois é o medo de morrer que, de fato, aterroriza a todos. Mas o que aconteceria se, em vez da morte, o medo viesse através de ser levado a uma situação extrema restando apenas a loucura? Com esse expoente Stanley Kubrick dirigiu a obra-prima do horror “Shining” (“O Iluminado”), um gosto parecido veio doze anos mais tarde com o não menos interessante “Candyman”, (“O Mistério de Candyman” 1992). E nos últimos cinco anos vem ganhando representantes cada vez mais afiados, que coloca seus protagonistas em situações extremas, em um caminho que consegue ser tão sem volta quanta a morte: a insanidade. E o fato de os criadores entenderem que os tempos mudaram, e que existem questões sociais que podem sim ser debatidas dentro de filmes de horror, é um ganho extraordinário.

A abordagem do racismo e das incoerências da meritocracia foram abordadas de forma inteligente quando os personagens de “Get Out”, (“Corra!”, 2017) e “Us”, (“Nós”, 2019) são levados perto do limite da sanidade. “The Witch” (“A Bruxa”, 2015) e “The Lighthouse” (“O Farol”, 2019) usa do isolamento dos seus protagonistas para debater o machismo destrutivo na vida de, respectivamente, mulheres e homens. “It comes at night” (“Ao Cair da Noite”, 2017) e “Midsommar”( “Midsommar – O mal não espera a noite” 2019) jogam com o encontro de culturas, opiniões, modos de ver o mundo totalmente diferente, para culminar no conceito da aceitação. Apesar do gênero trazer tantas mortes, raramente vemos na tela o processo do luto levando à insanidade como em “Hereditary” (“Hereditário”, 2018). E por fim, torturam seus personagens a passar por situações de grande pressão emocional desprovidos de usar alguns dos sentidos do corpo, como a audição “Hush” (“Hush – A morte ouve”, 2016), olfato “Just a Breath Away” (“O Último Suspiro”, 2018), visão “Birdbox” (“BirdBox”, 2018) ou a fala “A Quite Place” (“Um Lugar Silencioso”, 2018).

Usando a insanidade como a grande vilã para uma geração que cada vez mais sofre com problemas de ansiedade e estresse, o gênero terror prova que consegue sempre estar atento ao que acontece com o seu público. Se renovando a cada geração, e por isso, sendo tão imortal quanto os vilões que ajudou a criar. Sempre preparado para o próximo susto. E aí, para onde vamos daqui a 10 anos?